Texto e imagens por Tony Queiroga
Em 2011, o artista e fotógrafo alemão Michael Wolf (1954-2019) ganhou uma menção honrosa no mais importante prêmio do fotojornalismo mundial, o World Press Photo. O trabalho “A Series of Unfortunate Events” foi criticado por outros fotojornalistas pelo inusitado da proposta. Wolf fotografou estranhos acontecimentos nas ruas do mundo, navegando pelas imagens do Google Street View. Para um fotojornalista de formação, foi um salto criativo e uma reflexão crítica sobre o estado das imagens no século XXI; época digital e on-line. Não era mais preciso ir para as ruas para ser um “street photographer”; Wolf registrou espaços urbanos nas telas do seu computador. Metaimagem, apropriação, autoria, panoptismo digital, privacidade e direito de imagem são alguns dos temas que o trabalho levanta.
Uma reflexão sobre esses aspectos certamente levanta questões cada vez mais urgentes hoje, tendo como pano de fundo a vida conectada, a disseminação das formas de vigilância e as consequências sociais e políticas do visível. Quem vê? Quem é visto?
“Muitos Olhos” é um tributo ao caminho que Wolf apontou. As imagens das ruas do mundo, que podemos explorar no serviço do Google, sem sair da frente do computador, são resultado de um mapeamento fotográfico em escala mundial – cartografia sempre atualizada. Indicam assim o poder e a presença das imagens técnicas digitais compartilhadas na rede. Elas sintetizam também o trabalho de uma máquina de ver e registrar, o “Google Street View Car’. O dispositivo de captura, que o veículo carrega, chega a ter 15 câmeras
fotográficas integradas, produzindo imagens simultaneamente e de modo contínuo; são muitos olhos, muitas imagens. Resulta desse processo uma imensurável quantidade de fotografias, que mais tarde serão tratadas e mescladas para permitir a experiência imersiva que temos no GSV. “Muitos
Olhos” comenta esse universo.
Uma das características ontológicas da fotografia é não dar a ver um agente fundamental da sua construção: quem está por trás da câmera? Embora toda fotografia, a priori, seja a prova do testemunho de um fotógrafo, essa sonegação é parte da sua pretensa objetividade. No universo navegável das ruas virtuais também existe essa ausência. Quem vê o que vemos?
Este ensaio é uma tentativa de responder a essa pergunta, e assim procurar desnaturalizar a condição da imagem contemporânea onipresente e hegemônica. Um caminho para alcançar essa consciência é olharmos no espelho. Isto é, a mesma máquina panóptica que produz uma representação dos espaços urbanos do mundo, em alguns momentos se deixa revelar.
Repetindo Wolf, naveguei virtualmente pelas ruas de algumas cidades globais, para encontrar esses momentos especulares onde o dispositivo maquínico, tal qual um índice, uma marca na fotografia, é capturado nas suas próprias imagens. Coloquei uma única condição: já ter visitado esses lugares, de modo a que, eventualmente, eu pudesse também ter sido testemunha presencial desses momentos que só encontrei on-line.
Sobre o autor:
Tony Queiroga é fotógrafo, diretor e artista audiovisual; professor adjunto da UERJ, no Instituto de Artes (ART/UERJ), na ampla área das imagens técnicas: fotografia e audiovisual. É doutor em Ciências da Comunicação (jornalismo) pela Universidade Nova de Lisboa (2009).