Texto por e imagens por Laís Lima
Alguns dias atrás eu havia passado de ônibus pela rua Washigton Luís, uma das ruas dentre as que foram mais arrasadas pelas chuvas de fevereiro de 2022 na cidade de Petrópolis-RJ¹. Foi nessa rua que o rio quitandinha transbordou de tal forma que fez com que dois ônibus urbanos fossem levados pelas águas, das pessoas que estavam no coletivo, muitas não conseguiram deixar o ônibus a tempo e foram levadas pela correnteza, morreram ali, afogadas. Mais tarde, os corpos seriam encontrados espalhados pelas vias que acompanham o curso do rio. Desde então, eu não consigo mais passar por essa rua sem me sentir angustiada, sem sentir revolta, sem sentir dor.
Alguns dias atrás, passei novamente por lá. Pela primeira vez em muito tempo, eu passei por ali utilizando o transporte coletivo, a mesma linha que havia sido atingida em fevereiro, seis meses depois. Mesmo tanto tempo após o ocorrido eu ainda podia ver naquele lugar marcas sutis do que se passou, mas, chegando próximo à Rua Imperador – sem dúvida a principal via da cidade de Petrópolis – fui tomada por uma enxurrada de emoções. Os balaústres que fazem a divisa entre a via e o rio – no final da rua Washington Luís – estavam intocados, do mesmo estado em que ficaram no dia 16 de fevereiro eles estavam ali, seis meses depois: quebrados, corroídos, pendurados. Aquela marca, diferente das outras, não era nem um pouco sutil. Eu tive vontade de chorar. Eu achei aquela paisagem não só provocativa, mas de uma insensibilidade sem tamanho.
É verdade que parte da rua Washigton Luís recebe obras infraestruturais e está sendo restaurada, mas aquele pedaço de rua estava ali, esquecido e abandonado. Quem passa por ali todos os dias, por mais estranho que isso me possa parecer, provavelmente não se incomoda com aquela paisagem. Eu, no entanto, não tive como olhar para aquela cena e não me lembrar das vítimas que por ali foram arrastadas, do medo, da dor. Me senti confrontada. Como o poder público poderia ter tanta insensibilidade para deixar aquela paisagem ali daquela forma em uma das principais vias da cidade? Não eram só balaústres, era uma lembrança, um lembrete.
Foi dessa inquietação que nasce esse ensaio visual. Realizei essa intervenção urbana no dia 27 de agosto de 2022, durante a Bauernfest em Petrópolis, a festa dos colonos alemãs. Durante o evento, que atrai pessoas e fomenta o turismo na cidade foi alugado um caminhão reboque enorme que estacionava todos os dias bem em frente aos balaústres arruinados. Tive a certeza de que eu não havia sido a única a perceber aquela imagem, mesmo assim, aquilo ainda estava lá. Passada a festa e os turistas, continuou lá, até que semanas depois foram trocados os balaústres que receberam a minha intervenção. Haviam os outros, também arrasados, mas eu não os pintei e eles continuam lá. Pouco se fez até o momento entre medidas para evitar novos desastres ou para reerguer a cidade, o importante mesmo é não lembrar.
¹Durante o mês de fevereiro de 2022, Petrópolis foi fortemente atingida por chuvas sequenciais que causaram a morte de 234 habitantes, ocasionaram deslizamentos de terra – que deixaram centenas de pessoas desabrigadas – e destruíram a infraestrutura de muitas ruas e bairros da cidade. Fonte: <https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/04/15/maior-tragedia-da-historia-de-petropolis-completa-2-meses-de-dor-e-buscas-por-pedro-heitor-e-lucas.ghtml> Acesso em 09 de Setembro de 2022.
Sobre a autora:
Laís Lima é Arquiteta e Urbanista pela ESDI – UERJ e formada em Artes Visuais pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Residente em Petrópolis-RJ, pesquisa a própria cidade, cultura, território, manifestações populares e as relações entre arte contemporânea, arquitetura e cidade. Acompanhe em @descentralidade no Instagram.