Texto e imagens por Ricardo de Moura
Tisnado, o coxo, parceiro de VisgosoAtoleirento.
Rio de Janeiro, em um dia daqueles…
Desculpe senhor prefeito se o cansei com aquele correio imenso. Mas, eu recebi, achei interessante e repassei para minha mailing list. E o senhor faz parte dela. Não sei se fiz certo, mas ando tão angustiado que resolvi enviá-lo mesmo sabendo que andas muito ocupado com as muitas reuniões com os investidores que desejam ardentemente fazer desta cidade a mais bela de todo planeta. E quem sabe podes, na sua distinta e magnânima postura, reservar um tantinho de nada de sua preciosa atenção. Sei que é um pedido ambicioso, mas, por favor, senhor tataraneto do senhor Francisco F., ajuda nóis, tá ligado!
RESPOSTA DO TATARANETO DE FRANCISCO F.
Querido carioca,
Sei que é gente fina. Todo carioca é gente boa, inclusive aqueles que moram mal pra caralho. Seu e-mail me deixou feliz. Li atentamente, mesmo com esta enorme ladainha desse tal de Tisnado, o coxo. Vou responder essa merda com todas as minhas boas intenções e com aquele meu sorriso de sempre que você e todos os cariocas conhecem muito bem.
Eu, na qualidade de prefeito desta cidade, gostaria de ser lembrado como o meu tataravô. Certamente você já deve ter ouvido falar dele, Sr. Francisco F. – tá ligado no F. né – veja um de seus discursos, fodásticos, os mais famosos do início do século XX.
Precisamos traçar e promover metas de modernização a fim de apagar a imagem negativa de ‘cidade pestilenta’, afinal a busca pelo progresso e um reconhecimento no exterior não podem ter como marco a (in)salubridade. A nossa preocupação com a ordem pública se configura por meio da remoção de todo o tipo de epidemias, moradores de rua, prostitutas – aquela gente fudida empesteia a cidade. A cidade não pode ser mais chamada capital pestilenta. Vamos acabar com os problemas destas habitações anti-sanitárias, aglomerado subnormal, esses barracos feios pra cacete. Vamos promover saúde pública com habitações decentes. E não me digam os adversários que esta é uma política higienista. O que queremos não é apenas controlar, mas eliminar os lugares que consideramos de degeneração e focos de doenças. As famílias brasileiras, os bons costumes e a ordem nacional devem ser mantidos. Para tanto, os favelados e as favelas devem ser eliminados do convívio social, exatamente por representarem uma ameaça. Um bando de bandidos.
Certamente, amigo carioca, hoje as coisas já não são mais assim, pois até mesmo os moradores de aglomerações subnormais têm meu apoio, minha admiração e minha solidariedade. Sei que aquela gente da favela é sofrida pra caralho. Não posso mais remover as favelas, tenho que integrá-las à cidade. Mas nunca é demais relembrar aquele que transformou o Rio de Janeiro em um lugar habitável. Meu tataravô, Senhor Francisco F.
Mas, carioca amigo, peço um pouco de atenção e veja a composição das favelas do nosso Rio. Parafraseio um amigo: “Fico muito aflito. Tudo tem a ver com a violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Tijuca, Copacabana, é padrão sueco. Agora pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produto marginal”.
Até meu compatriota do estado, o Sérgio, acha isso. Aliás, me inspirei nele, quando ele mandou essa em 2007, em plenos jogos olímpicos brother. E os jornais ainda inflamaram, hahahaha. Para você ter uma ideia, no dia 5 de outubro de 2007 um jornal dizia: “as camadas pobres da população converteram-se numa fábrica de reposição de mão-de-obra para o tráfico.” O Globo.
Caralho! Aí é foda parceiro. Cheio de bandido naquela merda.
Não fique chateado comigo, pois sei que você concorda com nossa meta de fazer do Rio um lugar para todos. Ah! não se esqueça da nossa festinha em comemoração aos 450 e tal anos do nosso Rio. Vai ter um monte de piranha, parceiro. Elas vão vir lá daquele puteiro que eu já fui dono.
Um forte abraço do seu amigo,
Atenciosamente,
Tataraneto do senhor Francisco F.
Rio de Janeiro, o retorno do STF.
ps: visgosoatoleirentoventoseirodagravidade. Sem face, sem zap, sem insta, mas cruzando as ruas de uma cidade…
Sobre o autor:
Ricardo José de Moura é doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ -, integra o Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMC-UFRJ) e é instrutor credenciado pelo SESC na área de Ciências e Humanidades.