Texto por Paula Camargo, Gabriel Schvarsberg, Laís Lima, João Pedro Elian Durán e imagem por Eduarda Rios
Não sabemos muito bem quando tudo começou. O mais provável é que tenha vindo aos poucos. Para uns a referência será a mensagem da China sobre a descoberta de um novo vírus chamado Sars-CoV-2 em dezembro de 2019. Outros certamente indicarão o dia 28 de outubro de 2018, quando Jair Bolsonaro foi declarado vencedor das eleições presidenciais no Brasil. Há quem diga que teria começado com as eleições de Trump nos EUA. Ou no golpe-impeachment que destituiu a presidenta Dilma Rousseff em 2016. Depois disso, vieram o teto de gastos, os cortes, desmontes, aparelhamentos… Pode ser apontado também o dia 12 de dezembro de 2015, quando representantes de 195 países chegaram a um acordo, em Paris, entendendo que a humanidade está seriamente lascada se não mudar radicalmente o modo de vida baseado na emissão descontrolada de carbono na atmosfera. Da perspectiva de opressões, como aquelas sobre as mulheres, os povos indígenas, a população negra, a origem disso tudo cai ainda mais alguns séculos. É possível que concordemos entretanto que tudo isso parece ter ganhado enorme aceleração e intensidade nos últimos tempos.
Isso que não ousamos tentar definir ou nomear talvez seja percebido de maneira muito profunda no campo dos afetos. No plano individual, pode chegar como uma sensação de exaustão, tristeza, raiva, desconforto físico. Às vezes dá mesmo vontade de vomitar, de botar tudo isso pra fora. No plano coletivo, chega na gente como impotência, resistência, sobrevivência, indignação ou desejo de construir alternativas. Falamos então uns para os outros: quando tudo isso acabar … (complete como quiser), num misto de esperança, brincadeira e auto engano. A imaginação então, de modo muito curioso e precário, divaga e esboça instantaneamente algum outro mundo. Por vezes, uma versão ainda mais distópica deste, com mais vigilância e autoritarismo, em um planeta catatônico. Por outras, chega-se à versão de mundo apocalíptico mesmo, sem espécie humana ou apenas algum resquício já em vias de extinção. Mas alguns de nós têm se sentido, talvez mais do que nunca, convocados novamente a pensar em utopias, a pensar mundos possíveis ou impossíveis, a sonhar com outros modos de vida; ou então a tentar amplificar e divulgar formas de produzir, habitar, compartilhar, coexistir, que já estão acontecendo – algumas há muito tempo – e por todos os cantos.
ARRUAR zine, no seu volume 1, convidou, através de uma chamada aberta, autoras/es à partilha de pensamentos, manifestos, gritos, experiências, loucuras, projetos, performances, programas, ensaios, críticas, humores e o que mais coubesse sobre o que poderia ser tudo isso. Tudo isso que queremos ver acabar ou tudo aquilo que poderá ser inventado depois das reticências. Não esperamos consensos. Os trabalhos aqui apresentados, de modo despretensioso e pouco protocolar, se permitem difundir imaginários, revolucionar relações, viralizar acontecimentos, preservar riquezas, reconhecer conquistas, radicalizar políticas, desenhar outras cidades, questionar verdades, fabricar proteções, arriscar grafias, cultivar arranjos ecológicos, ousar arroubos ou um pouco de cada, ou mesmo nada disso. Uma coisa é certa: não pretendemos esperar tudo isso acabar. Arruar é urgente.